domingo, 5 de fevereiro de 2012

Pra falar de um bom mistério.


Por Carlos Gabriel F.

Antes de me aprisionar na difícil missão de resenhar “Marina”, necessito descrever a imensidão literária chamada Carlos Ruiz Zafón. O autor é responsável por, considerados por mim, clássicos da literatura do século XXI: “A Sombra do Vento” e “O Jogo do Anjo” – também é de sua autoria três livros infanto-para-todas-as-idades (“O Príncipe da Névoa”, “O Palácio da Meia-Noite” e “As Luzes de Setembro”), além de “Marina”, e realiza contribuições para roteiros de longas-metragens e para jornais. Uma revelação tanto para o público espanhol quanto para o mundo, Zafón retira da unicidade tramas inimagináveis. Como bem diria os críticos datados da gazeta estadunidense USA Today: “o talento visionário de Zafón para contar histórias é um gênero literário em si” – exato, na mosca. Zafón tem por facilidade em trazer para o cosmo real o que, porventura, é ainda inexistente; pura ficção de uma mente em constante operação imaginativa. Damo-nos por fim enquanto insanos e acreditamos em cada palavra ali datilografada e criada pelo autor; apaixonamos pelo ar exalado nas páginas a partir dos personagens; prendemos a respiração a cada suspense criado, a cada negritude espalhada na narração – porque se acostumem: na gótica Barcelona se passa as estórias, num cenário surreal de constante angustiosa expectativa, em que através dos olhos se forma um denso vício de sempre querer por mais.

Já dada a visão perante o rei espanhol da literatura, que comecemos o diálogo com o seu mais recente lançamento em território tupiniquim e primeiro livro escrito enquanto carreira literária. “Marina” retrata uma Barcelona da década de 1970, envolvida pelo mistério, divida entre o contemporâneo e antigo. Temos como eu-lírico Óscar Drai, menino mofado já nos quinze anos, enclausurado num internato com nome de santo, que em seus momentos favoritos refugia-se nas ruelas da cidade esquecida. Foi nestes dias de miséria, andando através das avenidas e descobrindo-se em casarões antigos destinados à demolição, que se deparara com uma melodia de sonetos cortantes mas de essência hipnotizante. A música era de tamanha beleza que fora atraído para o interior da casa, a fim de descobrir a sua origem, que fosse. No interior do casarão, se encontrou diante de retratos magníficos de uma bela mulher, de olhos cinzentos e tristes. O investigador juvenil não esperava, entretanto, encontrar um velho por ali a habitar; de rápida visão, o menino foge das mãos que o buscam em disparate: tropeça no gramofone naquele lugar a tocar e leva consigo um relógio brilhante e esférico, encontrado e pego acidentalmente momentos antes de ser perseguido. 

Não sabia Óscar que este roubo involuntário resultaria em uma das mais bonitas amizades já descritas nos livros de ficção. Era de desconhecimento do menino que aquele ato o levaria, de algum modo, a se conectar com Marina. Fora em sua casa que penetrou, era de sua propriedade e pai, Germán, o velho que descansava nas poltronas da casa antes abandonada, que Óscar furtara o relógio antigo. Marina era menina nova, de idade similar à Óscar, misteriosa, de “um jeito de sorrir que fazia com que me sentisse pequeno e insignificante”. Gérman era o prisioneiro do século passado, de fisionomia doentia, alma de absoluta educação, rejeitado pelo pai ainda cedo e artista de extremo reconhecimento – “os artistas vivem no futuro ou no passado, nunca no presente. Germán vive de recordações. É tudo o que ele tem”.

Foi em Marina que Óscar encontrou uma parceria de aventuras; nela que vislumbrou a vontade de viver para além das paredes d’uma casa em estado natural de demolição. Descobriram-se, em uma primeira oportunidade, em um cemitério antigo da cidade, a observar uma dama de negro, com o rosto tapado, a visitar um túmulo desconhecido, com apenas uma borboleta gravada na lápide de mármore. “Ela vem todo último domingo do mês às dez da manhã e deixa uma rosa vermelha sobre essa lápide”, explicava Marina, que já havia conhecido a mulher em momentos anteriores. Incitados pelo mistério envolvendo aquela ocasião, menina e menino, resignados, imergem numa trama de lutas e mortes que sabem ser criadas de forma especial por Zafón. “O caminho do inferno está cheio de boas intenções”

Com uma trama profunda e de inquietude magnífica, somos conduzidos pelo passado da empresa Velo-Granell, que é circundada pelo mistério de seus proprietários. Os personagens aventuram-se em uma Barcelona de linda descrição, onde Zafón dá voz ao desconhecido e conduz o leitor a um final surpreendente, que faz-nos questionar onde termina a realidade e começa a idealização. “Às vezes, as coisas mais reais só acontecem na imaginação, Óscar - disse ela - a gente só se lembra do que nunca aconteceu”.

Nenhum comentário: